segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Where the hell is Matt ?




Este é o Matt Harding.

O Matt teve a ideia original de percorrer o mundo, aos poucos, fazendo disso a sua história de vida. Contudo, não é uma história de vida qualquer, não este modo de experienciar o que o mundo tem de mais bonito.

Matt percorre o mundo dançando em lugares maravilhosos, ricos de estórias. Matt ora dança sozinho, ora com as pessoas que encontra e que querem partilhar da sua Loucura*. É isso que o destingue. A Loucura, a visão da Vida, o modo de viver, a forma de expressão que utiliza para comunicar: a dança, comum a todos os seres humanos, essência de um corpo ansioso por se libertar.

Admiro-o pelo que faz e como o faz. Um dia, quando também eu for invadida pela Loucura, essa força maior, serei como o Matt!

* Fernando Pessoa in "Mensagem"

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Twilight



Edward Cullen: What if I'm not the hero? What if I'm the bad guy?

Bella Swan: You're not...

(...)
Edward Cullen: I will protect you forever!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

! Help !



Help, I need somebody,

Help, not just anybody,

Help, you know I need someone, help!

Help me if you can, I'm feeling down

And I do appreciate you being round.

Help me, get my feet back on the ground,

Won't you please, please help me.

Beatles, Help!

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Set Free



I beg to dream and differ from the hollow lies, this is the dawning of the rest of our lives

[on holiday]

    • Olhares

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

No tumulto das horas, na infinitude dos dias. Lá, bem longe, onde os rios desaguam, onde a vida cresce ao sabor do vento, estou eu. Emersa em sonhos desfeitos, em alegrias trancadas no vazio.

Nesse pequeno recorte de mundo escrevi a minha morada e criei uma existencia perdida. Em meu redor resta somente a frustração de não ter conseguido, de não ter amado, de não ter vivido.

O mundo é agora um caos e eu sou sua mártir... Escrava das memórias futuras que não ouso imaginar, das longas horas que parecem não passar.

Estou presa num desejo anarquicamente louco e finjo ser a mesma. Finjo que o serei até ao último suspiro.

Na parede, um quadro em branco, única felicidade que me resta. Meu companheiro do nada, é a minha última esperança de voltar a existir.



Fotografia de Raul Alexandre, intitulada My Sweetest Sunset, in Olhares

terça-feira, 18 de novembro de 2008


Este desenho é especial. O seu autor tem TALENTO e, a meu pedido, revelou-o mais uma vez.
O Benny desenhou o Matthew Bellamy, vocalista dos Muse ♥
Para quem não sabe, os Muse são uma das minhas bandas preferidas e o Matthew é dos vocalistas que mais admiro. A sua voz faz-me sonhar, viajar... A sua rebeldia faz-me desejar ser ainda mais rebelde... Os seus olhos são um espelho do meu mundo - colorido quando o sol brilha, cinzento quando a tristeza toma conta do coração.
Decidi partilhar este meu segredo, conhecido por todos, e divulgar este desenho que muito me agradou!
Obrigado Benny. E não pares de desenhar.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Ao longe


Ao longe, onde o sol se une ao céu,
estão as mais ínfimas lembranças que guardo.
São lembranças que escorrem pela alma,
que a banham de um dourado profundo,
que fazem nascer um desejo só meu:
o meu desejo de percorrer a eternidade num segundo,
de encontrar a minha Flôr de Lotus, perdida neste Mundo.


Ao longe, onde a luz queima a escuridão,
estão as mais singelas pétalas do meu ser.
São pétalas que se soltaram da própria Vida,
que disseram adeus aos sonhos que criaram,
que viram a mais perfeita das cores,
a que eu não consegui ver:
a cor da alegria, do amor e da paixão.


Ao longe, onde a vida se mistura com a morte,
estão os mais preciosos vestígios da minha existência.
São vestígios que anunciam a minha perda,
que adivinham o meu doloroso fim,
que clamam a minha irremediável ausência:
ausência deste mundo, ausência do meu corpo,
ausência do teu pensamento, da tua vida,
ausência de um tudo de outrora e que agora jaz morto.
  • Foto de Peter Heilmann

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Ovos moles ao sabor da tradição


Um doce e intenso aroma percorre toda a cozinha. No lume está um tacho largo e fundo com três litros de água e sete quilos de açúcar. “Esta é a quantidade de água e açúcar que costumamos utilizar para fazer cada mistura de ovos-moles. Chegamos a fazer sete misturas por dia… são todas consumidas. Não fica nada em stock de um dia para o outro”, diz Adelaide Arsénio, uma senhora loira e baixa, de 61 anos, directora e gerente da Casa do Crespo, uma fábrica de doçaria no distrito de Aveiro.

O tacho é deixado no fogão a gás durante cerca de 15 minutos. Enquanto isso, Carlinda Santiago, 40 anos, aproveita para adiantar trabalho. Concentra-se nos baldes de dez litros com gemas de ovo, transportando-os para uma banca lateral na divisão da maquinaria, como se fossem potes da vindima.
Dentro do compartimento estão mais funcionárias da Casa do Crespo. Cada uma traz vestido uma bata e calças brancas e postas uma rede no cabelo e a protecção nos pés e na boca. Não conversam, trabalham apenas. Com as mãos na massa, vão dando forma, textura e sabor aos doces.
Passados os 15 minutos, Carlinda regressa à cozinha e retira o tacho do fogão. No seu interior está agora uma substância de cor esbranquiçada, menos líquida e transparente do que a água inicial. A mistura atingiu o ponto de fio, o ponto desejado para se poder juntá-la às gemas, ingrediente principal dos ovos-moles. “As gemas utilizadas são pasteurizadas, vêm em potes esterilizados, já separadas da clara do ovo e estão isentas de salmonelas. Assim não há o risco de intoxicação alimentar nem de aparecerem cascas indesejáveis”, afirma Cristina Pires, de 25 anos, confeiteira há cinco anos na Casa do Crespo.
Carlinda Santiago leva, de seguida e com precaução, o tacho meio cheio, mas quente, para a banca. Lá estão as gemas prontas para serem misturadas com a água açucarada. Carlinda adiciona a água às gemas que estão no balde, mexendo em simultâneo. “Para esta quantidade de água e açúcar adicionamos três quilos de gemas”, diz Cristina Pires. “E é preciso mexer continuamente para que as gemas não cozam, senão o produto final fica longe do desejado”.
A nova mistura começa já a revelar o tom dourado escuro, mas brilhante, do ovo mole. Porém, não possui ainda a consistência e textura características. Carlinda Santiago dá então seguimento ao processo e transporta o balde cheio para um compartimento estreito e pequeno, mesmo no fundo da divisão ampla. Dentro do compartimento está uma outra máquina de mistura, com cerca de um metro e meio de altura, especialmente destinada ao ovo mole. Carlinda despeja o conteúdo do balde para dentro da misturadora, sem dificuldade. A experiência de produzir 200 quilos de ovos-moles por dia e de transportar dez quilos de cada vez parece ter-lhe dado força suficiente para não temer este tipo de trabalhos.
De seguida, liga a máquina e uma espécie de ventoinha, no seu interior, começa a rodar e a misturar o conteúdo. “Esta máquina permite atingir a consistência pretendida. Mas, mesmo assim, é ainda preciso usar o passe-vite, não vá ter ficado algum pedaço de gema por misturar”, afirma Adelaide Arsénio. Agora o doce apresenta a cor, a textura e a consistência procuradas. “Muito dificilmente não desperta um desejo guloso nos confeiteiros… e não só”, diz Cristina Pires.
O fabrico do ovo mole já terminou. Começa agora um novo processo, o da sua apresentação ao consumidor.
Para isso, Manuel Arsénio, de 64 anos, estende os ovos-moles em folhas de vegetal, alisando a superfície com a espátula, para que arrefeçam à temperatura ambiente. “Depois disto, os ovos-moles estão prontos para consumo ou para serem utilizados noutros doces”, diz Adelaide Arsénio. “Mas é claro que eles são mais utilizados para consumo directo. Isto porque temos sempre muitas encomendas de ovos-moles. Vêm de todas as partes do país. Até do estrangeiro”.
Já frios, os ovos-moles são então levados para as diversas secções de uso. Na ampla sala das máquinas, o doce é usado como cobertura das natas do céu, repartidas por pequenas tacinhas de plástico. Numa outra secção, masculina por sinal, Wilson Martins, de 42 anos e Hélder Santos, de 18, distribuem camadas uniformes de ovos-moles sob as camadas fofas do pão-de-ló. No fim, dão o retoque final com um «Parabéns!».
Na divisão seguinte, preparam-se as hóstias. “Raramente usamos barricas, só quando os clientes nos pedem ou em ocasiões festivas. Como fica muito mais barato, a maioria prefere a hóstia”, diz Adelaide Arsénio. Cada hóstia é um conjunto de moldes das mais variadas formas de elementos marinhos. Desde amêijoas a búzios, passando pelos peixes e pelas conchas, “as hóstias são também uma forma de mostrar o mais típico de Aveiro: a vida no mar”, afirma Adelaide. Fazendo uso da espátula, barra o creme de ovo como se fosse manteiga, evitando qualquer espaço oco no interior dos moldes da hóstia. De seguida, coloca duas hóstias já preenchidas com os ovos-moles numa forma metálica, a qual também possui os moldes da hóstia. Ao fechar a forma, que faz lembrar um livro, as duas folhas de hóstia ficam presas uma na outra, dando origem a pequenas e doces figuras marinhas. “Agora é só recortar os moldes, empacotar e está pronto para vender”.Enquanto isto, Carlinda Santiago voltou a colocar o tacho com a água e o açúcar no fogão a gás e juntou esta mistura às gemas pasteurizadas. Prepara-se para a colocar agora na máquina. Fá-lo-á novamente mais cinco vezes ao longo do dia…

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

OBAMA 08

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"Yes we can! Yes we did!" [Barack Obama no discurso da vitória]
"Provámos de novo que a força dos EUA não vem do seu poder militar ou da sua riqueza mas porque persistimos nos nossos ideais: democracia, liberdade, oportunidade e toda a esperança no futuro" [Barack Obama no discurso da vitória]
"E assim, a 4 de Novembro de 2008, pouco depois das 23h00, a Guerra Civil Americana terminou..." [Thomas L. Friedman, The New York Times ]

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Intercidades


No outro dia, durante a viagem no intercidades, dei comigo imersa em pensamentos que não consigo explicar muito bem. As viagens de comboio conduzem-me muitas vezes para, além do destino, espaços tão imaginários que até custa dislumbrá-los na realidade. E, no entanto, eles passam diante dos meus olhos.


No silêncio humano forçado pelo ruído do ferro, encontro em mim sensações que poucas vezes experimento em "terra firme". A música do Mp3 une-se à paisagem que corre para lá da janela da minha carruagem. Na sua singela união eu abstraio-me de tudo o resto. De repente, é como se já não estivesse dentro do comboio, mas nas planícies infinitas de Santarém. Apenas posso ver o riacho sob a ponte, mas é como se o ouvisse. O mundo pára e, no entanto, o comboio não deixa de avançar em direcção ao norte.


A paisagem muda; as árvores, a terra, os montes, as casas, o céu adquirem novas formas, novas dimensões. Eu permaneço com os headphones no lugarzinho junto à janela, junto à minha porta para um novo mundo, tão diferente daquele donde saí. Sem que sinta falta do que deixei para trás, o futuro avizinha-se mais verdejante, sorridente. Sinto alegria, prazer. Sinto que sou outra pessoa. Sinto que Deus me dá tudo aquilo que sempre quis. Estou aqui e estou além. Estou e não estou porque entretanto já passei. Estou na realidade e estou imersa num sonho.


O comboio continua a viagem. Quando pára saiem e entram mais pessoas. Malas deslizam pelo corredor, olhares procuram o número correcto. E eu observo-os na minha ingenuidade, tentando adivinhar para onde vão, de onde vêm. Mas a face deles é séria, nada consigo desvendar.


Lá fora a paisagem começa a correr devagarinho, sempre aumentando a velocidade. Às tantas parece que nem a consigo acompanhar, ela foge-me!


Duas horas e meia de viagem. Cheguei ao meu destino.


O tempo passou de rompante. Já aqui estou, na estação de Aveiro. Estou mas sem certezas de estar na plenitude. Sem saber muito bem porquê, dou comigo com vontade de voltar atrás no tempo, no espaço. Partes de mim ficaram pelo caminho. Partes que eu quero recuperar, que eu tenho de guardar.



Foto de Nate Biel

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Liberdade

Fotografia de Bohman
'
"O destino dos homens é a Liberdade"
[Vinícius de Moraes]

domingo, 19 de outubro de 2008

Lost



«Just because I'm losing,

doesn't mean I'm lost»

Procurando o sentido da vida, jogando ao faz-de-conta ... Penetrando no mundo, perdendo-me nele.

Fotografia de Ana_Cotta

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Humanity

By: sfthqphotos


Há uns tempos atrás ouvi ecoar muitas vezes esta frase! Pessoas no mundo inteiro estavam de olhos postos nos Jogos Olimpicos de Pequim, na revolta dos tibetanos, na união global que parecia trazer um novo rumo ao Tibete. Tentativas de sabotagem da Tocha Olímpica, discursos "polémicos" do Dalai Lama, protestos em cada esquina das ruas chinesas ... Mas nessas mesmas ruas também estavam os vigilantes do regime chinês, as cameras que memorizavam os rostos de quem preconizava a mudança.

E hoje, alguns meses depois e após o sucesso dos Jogos Olímpicos, parece que o Governo da China levou a melhor e a liberdade tão desejada para o Tibete caiu em esquecimento para a maioria. Enquanto há uns meses um mundo inteiro se erguia por uma causa social, hoje o mundo volta a unir-se, mas para arranjar soluções para a crise económica mundial. Enquanto há uns tempos apenas as pessoas ditas comuns pareciam interessar-se por questões humanas, hoje são os políticos quem mais rezam para que a tortura económica ache um fim.

Espero sinceramente que encontrem a solução para esta tortura. Mas não nos podem pedir que esqueçamos outras torturas, estas mais hediondas. São todas aquelas cometidas contra a dignidade humana, a sua liberdade e integridade. Por isso, voltemos a atrever-nos! Voltemos a lançar um olhar sobre as questões ligadas aos direitos humanos. A crise económica é bastante séria, mas não apaga tudo o resto que continua a acontecer em frente da nossa cara.

Darfur, Tibete, Índia, Países Islâmicos, povos subjugados ao poder ...todos eles precisam da nossa força e união. Todos eles precisam de alguém que se lembre da sua existência e o proclame aos quatro ventos. Todos eles precisam da nossa atenção, da nossa coragem, da nossa intervenção!

Algo tem que ser feito ... comecemos imeditamente! Enquanto os políticos e economistas tentam garantir a nossa independencia económica, concentremo-nos nós, não especialistas em questões económicas e sem grande contributo para a resolução do problema, a dar o nosso melhor, a fim de garantir a independência de cada ser humano!

Por isso:

Make some noise for Darfur, Free Tibet, Equality, Freedom, Spirituality, Humanity <3

domingo, 5 de outubro de 2008

Indiferentemente, vivo!


Brandos gritos ressoam nas colinas além, onde o sol espreita como que a medo. São gritos suaves, macios, mas que insistem em não se dissipar perante a leve brisa que nasce.
São oito da manhã e eu permaneço no meu leito, procurando cair num sono profundo e aterrar nas asas dos sonhos mais singelos. A noite foi mal dormida, as dores de cabeça começam a despoletar e os gritos continuam a ecoar. Por mais que tente, não consigo adormecer. Mais vale pôr-me a pé e adiantar trabalho, pois as ruas estão sujas e precisam de ser lavadas, antes que o sol lhes sugue o sangue!
Ao sair de casa olho de soslaio para as casas nas colinas distantes, mas a minha vista é fraca e o sol cega o que ainda consegue ver. Não vale a pena tentar avistar o que não quer ser visto! Prossigo com as minhas tarefas e pondo à mão o balde e a vassoura, esfrego as manchas intermináveis no alcatrão recente. São máculas difíceis de limpar, mas não há nada que vença o esforço!
A sineta toca de rompante e anuncia o almoço. São horas de largar as ruas e regressar ao sossego e segurança das quatro paredes. Também os soldados sabem disso e é vê-los apressarem o passo para o casebre! Não fossemos saber qual é a função deles e todos diríamos que preferem lavar e dobrar a roupa dos outros a proteger os interesses da sua pátria. Por momentos, as ruas ficam limpas, tranquilas. Os gritos cessam e os pássaros voltam às copas das árvores, agradecendo o silêncio que lhes permite confraternizar. E eu apresso-me também para os meus humildes anexos; o sol brilha alto e o calor começa a despoletar a podridão.
Com este lúgubre e apetecido silêncio, preparo o pão e a sopa rapidamente. Não que queira voltar ao trabalho, mas porque a dor de cabeça se torna cada vez mais forte, mais intensa e faz crescer o desejo sufocante de querer ainda gozar de um pouco de sesta. Ah, como é bom recostar a cabeça e fechar os olhos para o mundo. Agora que nada oiço, sinto uma leveza na alma.
O sol começa a pôr-se e toca a trompeta. São sete horas da tarde. Está na hora de regressar de vez a casa, preparar o jantar e descansar de mais um dia. Já na mesa, batidas ecoam lá fora. É tempo de me deitar. As tropas põem-se a caminho numa marcha lenta, pesada, anunciando aquilo que já ninguém quer ouvir. Instantes depois, reiniciam-se os gritos, hoje mais dolorosos, aflitivos, penosos. Penso para mim: “Deus seja louvado, que me fez nascer do lado certo”. E reflicto mais um pouco, ansiando por qualquer boa-nova que me traga alguma esperança, algum descanso.
“Bendito seja Deus, que me fez fraco de força”.
Hoje, à luz do que vivi, na distância profunda dos gritos com que me tornei homem, já não sei porque permaneci naquela terra amaldiçoada. Foi tão grande e atroz a minha ignorância, a minha impotência. Maior ainda a minha indiferença!
Hoje, longe dos pesados anos de tormentas, ainda sinto a cabeça a latejar de tanta dor, de tanto sofrimento, de tanta podridão. Das colinas distantes ainda me chegam os gritos. São marcas de um tempo que o próprio Tempo insiste em não apagar.
Hoje, já finitas as batidas dos tambores, julgo ver rostos sem rosto, corpos profanados para a honra da pátria. São seres lavados num sangue ainda quente, sangue que eu próprio lavei.
Já não durmo. Já não fecho os olhos para o mundo! Permaneço atento, aguardando pacientemente o último dia em que ainda vislumbrarei aquelas ruas; devorando-me lentamente por dentro. E penso: “É com certeza a consciência, ávida de justiça”! Mas sempre temendo que afinal seja Deus, injuriado pelas minhas graças de outrora, arrastando-me por estradas de espinhos, para o Juízo Final...

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A minha janela


São marcas de um tempo vazio as que permanecem na minha consciência. Sem aviso, os dias passam e não há nada de novo! Continuo no mesmo sítio onde me encontrava ontem e apenas sinto cansaço de estar de pé, quieto, sem saber em que direcção olhar.
Vejo multidões a passar, frenéticas, errando por caminhos que não são os seus. Vejo os mesmos de sempre a um canto, sem mérito, fazendo os possíveis para desaparecerem nas sombras das esquinas, para não serem pontapeados pelas multidões que vão transitando sem os ver. Vejo as tendas de bugigangas ao longo dos passeios. Ostentam as mais diversas cores, mas os vendedores são os de sempre, os que tentam ininterruptamente convencer cada transeunte a admirar os seus artigos. Lá se vão esforçando, lá lhes vão suplicando baixinho para comprar. Vejo os pares de namorados sentados na praça, olhando-se como se cada um fosse a mais bela obra-prima um dia criada. Na sua inocência, vão trocando carícias e juras de amor eterno, mesmo sabendo que a vida é efémera e que nada é definitivo. Vejo continuamente pessoas correndo, procurando não perder o autocarro para os seus destinos. Vejo a frustração, o ódio nos seus rostos assim que percebem que os motoristas e os passageiros, indiferentes às suas necessidades, obrigações, urgências, não estão dispostos a esperar. Vejo as mulheres bisbilhoteiras, de revistas na mão, a comentar a vida de alguém mediático, ou que acabou de passar, ou que conhecem, ou que nem sequer conhecem, mas porque acham por bem fazê-lo. Vejo pequenas pérolas brincando além, no jardim da praça, agarradas aos baloiços, balouçando para lá e para cá, rindo, sorrindo, dando gargalhadas, transparecendo a felicidade que sentem.
Olho novamente para os Outros, vestidos de um negro sujo, com grandes cabelos revoltos, a barba que lhes desfigura toda a cara. Estão ainda tão inertes como eu, sentados ou deitados, não ousando olhar para quem passa acima deles; as multidões altivas que, caminhando hirtas, envoltas nas suas preocupações, nos seus pensamentos, nas suas mentes vazias, continuam sem os ver. Penso: serei o único a vê-los, daqui do alto da minha janela?
Eles lá continuam o dia todo, a noite até, nas suas curtas esquinas, sossegados. Não as abandonam facilmente, não vá alguém se apoderar delas na sua ausência. Fazem bem em jogar pelo seguro, nunca se sabe quem está à espreita!
Simultaneamente, lá vou ouvindo as doces e singelas gargalhadas vindas do jardim. Ingénuas, as crianças prosseguem as suas brincadeiras, correndo umas atrás das outras, como se soubessem que a vida é curta demais para se desperdiçar cada segundo.
Vejo tudo isto da minha pequena janela, rasgão para um mundo
onde não me vejo a mim. E assim fico, passivo, vigiando as ruas, as crianças, as multidões, as mulheres e aqueloutros, os meus vizinhos permanentes que ninguém consegue avistar, apenas eu, aqui do alto da minha janela.