segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A minha janela


São marcas de um tempo vazio as que permanecem na minha consciência. Sem aviso, os dias passam e não há nada de novo! Continuo no mesmo sítio onde me encontrava ontem e apenas sinto cansaço de estar de pé, quieto, sem saber em que direcção olhar.
Vejo multidões a passar, frenéticas, errando por caminhos que não são os seus. Vejo os mesmos de sempre a um canto, sem mérito, fazendo os possíveis para desaparecerem nas sombras das esquinas, para não serem pontapeados pelas multidões que vão transitando sem os ver. Vejo as tendas de bugigangas ao longo dos passeios. Ostentam as mais diversas cores, mas os vendedores são os de sempre, os que tentam ininterruptamente convencer cada transeunte a admirar os seus artigos. Lá se vão esforçando, lá lhes vão suplicando baixinho para comprar. Vejo os pares de namorados sentados na praça, olhando-se como se cada um fosse a mais bela obra-prima um dia criada. Na sua inocência, vão trocando carícias e juras de amor eterno, mesmo sabendo que a vida é efémera e que nada é definitivo. Vejo continuamente pessoas correndo, procurando não perder o autocarro para os seus destinos. Vejo a frustração, o ódio nos seus rostos assim que percebem que os motoristas e os passageiros, indiferentes às suas necessidades, obrigações, urgências, não estão dispostos a esperar. Vejo as mulheres bisbilhoteiras, de revistas na mão, a comentar a vida de alguém mediático, ou que acabou de passar, ou que conhecem, ou que nem sequer conhecem, mas porque acham por bem fazê-lo. Vejo pequenas pérolas brincando além, no jardim da praça, agarradas aos baloiços, balouçando para lá e para cá, rindo, sorrindo, dando gargalhadas, transparecendo a felicidade que sentem.
Olho novamente para os Outros, vestidos de um negro sujo, com grandes cabelos revoltos, a barba que lhes desfigura toda a cara. Estão ainda tão inertes como eu, sentados ou deitados, não ousando olhar para quem passa acima deles; as multidões altivas que, caminhando hirtas, envoltas nas suas preocupações, nos seus pensamentos, nas suas mentes vazias, continuam sem os ver. Penso: serei o único a vê-los, daqui do alto da minha janela?
Eles lá continuam o dia todo, a noite até, nas suas curtas esquinas, sossegados. Não as abandonam facilmente, não vá alguém se apoderar delas na sua ausência. Fazem bem em jogar pelo seguro, nunca se sabe quem está à espreita!
Simultaneamente, lá vou ouvindo as doces e singelas gargalhadas vindas do jardim. Ingénuas, as crianças prosseguem as suas brincadeiras, correndo umas atrás das outras, como se soubessem que a vida é curta demais para se desperdiçar cada segundo.
Vejo tudo isto da minha pequena janela, rasgão para um mundo
onde não me vejo a mim. E assim fico, passivo, vigiando as ruas, as crianças, as multidões, as mulheres e aqueloutros, os meus vizinhos permanentes que ninguém consegue avistar, apenas eu, aqui do alto da minha janela.

1 comentário:

Nuno Maciel disse...

Opaaa, escreves mesmo tão bem! *.*
Adoro mesmo, mesmo! :D

Qual aprendiz?? Pareces uma escritora de 'nível profissional'.. :D

Tenho que ler mais textos teus.. (;
Simpática.. (:

Beijinho.. ^^