quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Ovos moles ao sabor da tradição


Um doce e intenso aroma percorre toda a cozinha. No lume está um tacho largo e fundo com três litros de água e sete quilos de açúcar. “Esta é a quantidade de água e açúcar que costumamos utilizar para fazer cada mistura de ovos-moles. Chegamos a fazer sete misturas por dia… são todas consumidas. Não fica nada em stock de um dia para o outro”, diz Adelaide Arsénio, uma senhora loira e baixa, de 61 anos, directora e gerente da Casa do Crespo, uma fábrica de doçaria no distrito de Aveiro.

O tacho é deixado no fogão a gás durante cerca de 15 minutos. Enquanto isso, Carlinda Santiago, 40 anos, aproveita para adiantar trabalho. Concentra-se nos baldes de dez litros com gemas de ovo, transportando-os para uma banca lateral na divisão da maquinaria, como se fossem potes da vindima.
Dentro do compartimento estão mais funcionárias da Casa do Crespo. Cada uma traz vestido uma bata e calças brancas e postas uma rede no cabelo e a protecção nos pés e na boca. Não conversam, trabalham apenas. Com as mãos na massa, vão dando forma, textura e sabor aos doces.
Passados os 15 minutos, Carlinda regressa à cozinha e retira o tacho do fogão. No seu interior está agora uma substância de cor esbranquiçada, menos líquida e transparente do que a água inicial. A mistura atingiu o ponto de fio, o ponto desejado para se poder juntá-la às gemas, ingrediente principal dos ovos-moles. “As gemas utilizadas são pasteurizadas, vêm em potes esterilizados, já separadas da clara do ovo e estão isentas de salmonelas. Assim não há o risco de intoxicação alimentar nem de aparecerem cascas indesejáveis”, afirma Cristina Pires, de 25 anos, confeiteira há cinco anos na Casa do Crespo.
Carlinda Santiago leva, de seguida e com precaução, o tacho meio cheio, mas quente, para a banca. Lá estão as gemas prontas para serem misturadas com a água açucarada. Carlinda adiciona a água às gemas que estão no balde, mexendo em simultâneo. “Para esta quantidade de água e açúcar adicionamos três quilos de gemas”, diz Cristina Pires. “E é preciso mexer continuamente para que as gemas não cozam, senão o produto final fica longe do desejado”.
A nova mistura começa já a revelar o tom dourado escuro, mas brilhante, do ovo mole. Porém, não possui ainda a consistência e textura características. Carlinda Santiago dá então seguimento ao processo e transporta o balde cheio para um compartimento estreito e pequeno, mesmo no fundo da divisão ampla. Dentro do compartimento está uma outra máquina de mistura, com cerca de um metro e meio de altura, especialmente destinada ao ovo mole. Carlinda despeja o conteúdo do balde para dentro da misturadora, sem dificuldade. A experiência de produzir 200 quilos de ovos-moles por dia e de transportar dez quilos de cada vez parece ter-lhe dado força suficiente para não temer este tipo de trabalhos.
De seguida, liga a máquina e uma espécie de ventoinha, no seu interior, começa a rodar e a misturar o conteúdo. “Esta máquina permite atingir a consistência pretendida. Mas, mesmo assim, é ainda preciso usar o passe-vite, não vá ter ficado algum pedaço de gema por misturar”, afirma Adelaide Arsénio. Agora o doce apresenta a cor, a textura e a consistência procuradas. “Muito dificilmente não desperta um desejo guloso nos confeiteiros… e não só”, diz Cristina Pires.
O fabrico do ovo mole já terminou. Começa agora um novo processo, o da sua apresentação ao consumidor.
Para isso, Manuel Arsénio, de 64 anos, estende os ovos-moles em folhas de vegetal, alisando a superfície com a espátula, para que arrefeçam à temperatura ambiente. “Depois disto, os ovos-moles estão prontos para consumo ou para serem utilizados noutros doces”, diz Adelaide Arsénio. “Mas é claro que eles são mais utilizados para consumo directo. Isto porque temos sempre muitas encomendas de ovos-moles. Vêm de todas as partes do país. Até do estrangeiro”.
Já frios, os ovos-moles são então levados para as diversas secções de uso. Na ampla sala das máquinas, o doce é usado como cobertura das natas do céu, repartidas por pequenas tacinhas de plástico. Numa outra secção, masculina por sinal, Wilson Martins, de 42 anos e Hélder Santos, de 18, distribuem camadas uniformes de ovos-moles sob as camadas fofas do pão-de-ló. No fim, dão o retoque final com um «Parabéns!».
Na divisão seguinte, preparam-se as hóstias. “Raramente usamos barricas, só quando os clientes nos pedem ou em ocasiões festivas. Como fica muito mais barato, a maioria prefere a hóstia”, diz Adelaide Arsénio. Cada hóstia é um conjunto de moldes das mais variadas formas de elementos marinhos. Desde amêijoas a búzios, passando pelos peixes e pelas conchas, “as hóstias são também uma forma de mostrar o mais típico de Aveiro: a vida no mar”, afirma Adelaide. Fazendo uso da espátula, barra o creme de ovo como se fosse manteiga, evitando qualquer espaço oco no interior dos moldes da hóstia. De seguida, coloca duas hóstias já preenchidas com os ovos-moles numa forma metálica, a qual também possui os moldes da hóstia. Ao fechar a forma, que faz lembrar um livro, as duas folhas de hóstia ficam presas uma na outra, dando origem a pequenas e doces figuras marinhas. “Agora é só recortar os moldes, empacotar e está pronto para vender”.Enquanto isto, Carlinda Santiago voltou a colocar o tacho com a água e o açúcar no fogão a gás e juntou esta mistura às gemas pasteurizadas. Prepara-se para a colocar agora na máquina. Fá-lo-á novamente mais cinco vezes ao longo do dia…

1 comentário:

Ana Margarida Pinheiro disse...

O tema hummmmmm =DD deixa crescer água na boca! Gostei muito =)